domingo, 24 de janeiro de 2021

Leonardo e Meredite (Parte 22 * Final)

     Leonardo se pronunciou contendo a risada que o jeito "alto" do amigo queria lhe despertar. Era evidente que o companheiro já havia ingerido mais doses de vinho do que o usualmente esperado para um período anterior à uma cerimônia de casamento. Algumas pessoas ao redor, porém, não se contiveram tanto e riam baixo. O artista respondeu:

     - Tenha calma! O tempo é nosso amigo e te afianço de que estamos todos bem e aqui!

     Fez uma pausa, sorriu matreiramente e continuou:

     - Meus caríssimos iguais, meus convidados. Sabem... Absolutamente nada na minha vida aconteceu de uma maneira normal. E não havia um porquê para meu casamento ser.

     Olhou para Meredite:

     - Amiga... Minha noiva está muito calada, debaixo desse véu... - apontou para o cavalete.

     - Você acha que ela vai me aceitar como esposo amantíssimo, perdoar, saber lidar com todos os meus defeitos, me iluminar em todos os momentos e além disso permitir que eu a ame diante de todos os horizontes, sejam eles azuis ou cinzas, sendo para toda eternidade a musa e dona desse coração?

     A artesã refletiu. Ela estava com as mãos suando:

     - Léo, eu não estou compreendendo.

     - Você é sensível! Apenas diga se eu sou compatível com alguém puro de espírito como ela é.

     - É claro que sim! Você é um homem de grande honra! Você merece todo amor e muita felicidade!

     Meredite disse essas palavras sentindo as forças de seus sentimentos por Leonardo a sacudirem. Terminou a frase com os olhos marejados levemente. Ela não queria deixar aquelas lágrimas de afeição rolarem, para que tal não soasse como despeito diante do enlace do pintor. A verdade, ela sabia, mas não podia deixar crescer, aquela ponta de tristeza por não ser ela a estar se casando com seu amado. Ela tinha que permanecer forte e ser boa como sempre fôra. Precisava ser claridade no caminho daquele casal. Então, se controlou.

     - Já posso erguer o véu! - assentiu o artista.

     Leonardo segurou as pontas do pano deixando que o tecido caísse graciosamente para trás do cavalete, revelando a pintura.

     Todos se movimentaram para observar melhor, e as tintas que viram desfilar mostravam a jovem artesã, sentada ali mesmo entre as flores daquele campo onde predominavam as flores alaranjadas. Um lindo vestido rosa mostrava suas mangas delicadas, esvoaçando junto com a fita branca presa em laço a seu grande e feminino chapéu de palha. Ao fundo, variados pássaros buscavam seu destino sob o céu e outros descansavam sob o Sol. Inúmeros verdes, azuis, amarelos, rosas... E o centro... O centro daquele Universo... O Universo que o reensinara a viver era ela... Meredite!

     Todos deveriam estar estupefatos, porém, passada a expectativa inicial, depois dos primeiros murmúrios surpresos, os entreolhares dispensaram questionamentos e revelações. Estava tudo ali. Tudo certo como água nascente.

     Leonardo tocou de leve a mão de Meredite e com a outra mão ergueu tranquilamente seu rosto, segurando seu queixo com brandura. Seus olhos se encontraram e ela deixou que suas lágrimas, agora plenas de alegria rolassem por sua face até tocar os dedos dele.

     - Você reafirma? Me quer? Me deixa cuidar de você?

     - Pra sempre!

     O artista deixou que um dos expectadores retirasse o quadro do caramanchão para que a cerimônia, com a artesã ali, pudesse transcorrer com mais espaço. Enquanto isso, Leonardo, se dirigindo aos amigos mais próximos falou:

     - Eu nunca escondi que a minha amada é uma verdadeira obra de arte!

     Em seguida, conduziu sua noiva a fim de que se colocassem voltados ao altar. Uma menina de aproximadamente meia década de existência se aproximou da mesa e ali depositou um lindo buquê branco, azul e amarelo, um presente único da natureza, pois, apenas a parte alva era vegetal, repolhudos dentes-de-leão, as cores solar e turquesa que também o compunham, na verdade, eram borboletas que haviam se unido ao místico ramalhete, bela e voluntariamente. O balançar causado naquelas flores pela brisa e delicado movimentar de dúzias de pares de asas fazia daquele momento uma poesia divina. A presença de uma música suave com acordes doces de violino e acordeon beijava os ouvidos de todos, que, mesmo assim puderam escutar nitidamente quando o homem mais vivido pronunciou:

     - Querer Bem é aceitar, apoiar, sorrir, chorar, ir e esperar. O amor nos foi ofertado pelos deuses para reconhecermos nele algo como o suco de nossas uvas. Cada gota é uma, é insubstituível, é um ser. Cada casal transborda então uma alquimia perfeita e sem igual no Universo. Dito isso... Ambos sabendo que já fundiram a essência de seus sentimentos maiores, aceitam eternizar essa magia, defendê-la e expressá-la em seus olhos e atitudes, no silêncio ou diante de um mundo?

     - Sim!!! – Leonardo e Meredite responderam simultaneamente.

     Então a menina e o menino que ali estiveram durante toda a cerimônia também participaram do ritual, ela pegou uma pétala do ramalhete que representava o outono e também uma pétala que representava o verão e o menino retirou uma pétala representante da primavera e outra que simbolizava o inverno e juntos colocaram dentro do cálice enquanto falavam em uníssono:

     - Que assim seja durante todas as faces das terras!

     O casal mais maduro entrelaçou suas mãos e em seguida segurou em conjunto o recipiente que continha suco de uva. Enquanto preenchiam a taça com o líquido falaram juntos:

     - Que exista sempre mais sabor, cor, refresco e afeto em seus caminhos! Que sejam felizes! É o que basta e reina!

     O suco parou de cair sobre as pétalas quando as palavras cessaram. A anciã ergueu o cálice e em seguida ofereceu ao casal. Ambos sustentaram o receptáculo e sorveram a bebida ao mesmo tempo enquanto a dupla mais experiente e a mais jovem declaravam:

     - Estão unidos perante o Universo. Os deuses os aprovam e os amam. Benditas continuem vossas vidas e que suas sementes vivam e cintilem!

     Todos sorriram naquele ambiente... Era claríssimo como todas as fontes de pureza estavam plenas. Leonardo então abriu as duas pequenas caixas. Uma delas guardava a pulseira confeccionada com o rubi. Era linda, Meredite havia superado todas as expectativas... A gema flutuava em um trançado deslumbrante branco rosado. A segunda caixa revelou também uma jóia encantadora. Um radiante fio vermelho abraçava um arredondado quartzo rosa que parecia um coração. A artesã o observou e o pintor vislumbrou a pergunta quieta que desfilava no semblante da artista.

     - Tamara criou! A meu pedido e com toda dedicação ela lhe preparou esse mimo fundamental para nossos votos. - ele sussurrou.

     Meredite lançou um olhar para sua amiga e sorrindo lhe transmitiu, com seu jeito único, todo seu agradecimento e congratulações pela espetacular obra.

     A música aumentou levemente seu tom enquanto eles vestiam as pulseiras um no outro e trocavam mais e secretos votos de amor. Passado esse momento, os recém-casados deram seu primeiro beijo diante de seus convidados. Um misto de aplausos, vivas e elogios se fez ouvir naquele nobre recanto.

     Passados mais alguns instantes, as moças que almejavam também se casar formaram uma espécie de público diante de Meredite. Naquela região era costume se fazer tal coisa, as mulheres casadouras cercavam uma recém-casada na espera de receber presentes ou/e conselhos. A artesã distribuiu cristais para as damas e recomendou que sempre fossem elas mesmas, diante de qualquer situação. E então, depois, lançou um caloroso beijo em direção a todas e soprou docemente o buquê que mais cedo tinha sido depositado perto dela, no altar. As borboletas voaram, e, como ensaiadas, cada uma delas pousou no ombro de uma mulher. As moças, felizes com o resultado daquele evento começaram a se dirigir aos espaços para descanso e refeição. Todos tinham a liberdade para se servir das guloseimas expostas.

     A música assumiu de vez o seu lugar naquela confraternização, o ambiente dançava naturalmente, casais rodopiavam, cavalheiros sustentavam os movimentos de suas bailarinas. Um rio de felicidade fluía e definia seus envolventes cursos. Leonardo e a artesã encontraram seu primeiro bailar rumo à vida a dois, uma animada valsa. A seguir, se lançaram à vigorosos acordes camponeses.

     E com certeza, os recém-casados, assim como todos ali presentes não conseguiram evitar se encantar ao perceber que o rei tinha se postado hábil e enamoradamente como companhia da moça que havia ornado sua fronte com flores. Aquelas horas já previam o que os aldeões, e, quem sabe, até mesmo o monarca, desconheciam... A futura rainha estava ali, era ela... Escolhida no coração da sociedade, eleita por seu saber e humildade. E que ele seria um soberano ainda mais autêntico por se casar por amor.

     A noite chegou, a iluminação foi primorosamente realizada... Além das tochas engenhosamente colocadas, a lua e inúmeras estrelas ilustravam o lugar.

     A artesã e seu amado, depois de receberem os cumprimentos, conversarem com todos e os fazer se sentir à vontade, se afastaram e ficaram olhando o perfil das montanhas. Se abraçaram e beijaram demoradamente. Estavam juntos, eram o futuro... Ele e sua Meredite, então oficialmente, di Leon.

 

Janeiro de 2021

Ana Luiza Lettiere Corrêa (Ana Lettiere)

 

Com Patrícia Lettiere ( http://pintandonopedaco.blogspot.com.br ), Paulo Renato Lettiere Corrêa ( http://osabordamente.blogspot.com.br ) e todos os meus inspiradores.

2 comentários:

  1. Olá, vim conhecer o seu blog... muito lindo!
    Passando para te desejar uma boa noite.
    Venha conhecer o meu! O link é:
    https://ofantasticomundodebete.blogspot.com/
    Beijinhos !
    Obs: estou seguindo você.

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  2. Oi, Bete! Estou muito feliz por você ter apreciado e estar seguindo meu blog! Vi seu comentário e fui correndo conhecer seu espaço artístico e já comecei a te seguir. Te desejo um final de semana iluminado e muita paz, sonhos e sucesso sempre! Beijos!

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