domingo, 17 de janeiro de 2021

Leonardo e Meredite (Parte 14)

     E a noite chegou, as estrelas em número e tamanho tal que foram capazes de espanar todo o breu daquelas horas. Todos os amigos, com exceção dos irmãos de Tamara, foram buscar Meredite em sua casa e acompanhá-la ao palácio. Ela os recebera, tinha o semblante leve e se vestia da forma costumeira, não tinha a intenção de impressionar... Não se tratava de um baile. A seu exemplo, todos mantiveram seus trajes habituais. Meredite tratara seus companheiros com o afeto irrestrito de sempre, mostrando o quanto a presença deles a seu lado a permitia sentir-se realmente invencível.

     Caminharam, meditativos, de mãos dadas, passando por vielas sozinhas, apagadas... Tão diferentes dos dias de festival, tão distantes até mesmo de seu último encontro. A cada vez que seus passos ecoavam, viam confirmada a sensação de que as ruas estavam abandonadas, a vila, não. Ao avistarem o entorno do castelo observaram que grande número de aldeões se encontrava ali, provavelmente o palácio estava lotado.

     Devagar, foram conquistando espaço. Durante o percurso algumas pessoas desejavam boa sorte a Meredite, outras perguntavam a eles o que estava acontecendo e outras preferiam manter-se em silêncio.

     Passaram pela ponte levadiça, pelos jardins, e, ao chegar ao portal que dava acesso ao suntuoso salão de espera, se apresentaram aos guardas e tiveram autorização para prosseguir.

     Atravessaram o aposento, seguindo a trilha formada por um tapete verde que cortava o recinto ao meio e chegaram à uma porta dupla de cristal que imediatamente foi aberta quando eles se aproximaram. Estavam entrando na Sala do Trono. Meredite preferiu ir à frente e os demais a seguiram organizados em pares. Deram três passos, se curvaram em profunda reverência e continuaram o trajeto até ficar diante dos cinco degraus que colocavam o trono real acima da assembléia.

     A sala, ao modo do salão de espera, tinha um tapete que a cruzava. Esse tapete era azul, que era o tom que predominava na decoração do ambiente, dividindo espaço com o mármore de um branco imaculado e entalhes dourados. Tal tapete terminava diante da escadaria que levava ao trono e tinha em ambas as margens inúmeras filas de cadeiras acolchoadas que naquele momento se encontravam quase que completamente ocupadas.

     Na verdade, só haviam seis lugares disponíveis, que, na hora devida serviriam aos acompanhantes da artesã... Ela, na condição de entrevistada permaneceria de pé. O príncipe ao vê-los diante de si, se levantou e fez um gesto solicitando que os amigos de Meredite ocupassem seus lugares. Assim foi feito. O soberano voltou a sentar-se, em cada um de seus lados surgiu um conselheiro, a porta da Sala do Trono se manteve aberta e as pessoas que aguardavam do lado de fora do castelo tiveram autorização para preencher o salão de espera e assistir à conversa.

     Um dos conselheiros começou:

     - Sejam bem-vindos! E você, jovem maga, receba nossas especiais saudações! Espero que esteja apreciando nossas instalações... Somos todos serviçais de uma cidadã, que, de coração tão puro, deseja presentear seu regente! Tenha certeza que seu ato fará com que os deuses permitam que a recompensemos generosamente! Deseja dizer algo?

     Meredite, se dirigindo ao príncipe, falou:

     - Muito obrigada pela acolhida, Alteza! Acabo de chegar, mas vejo que seu palácio é belo e bom como toda a sua terra. Meu respeito por todos que defendem seus povos me impediu de me recusar a atender a seu chamado. Mas, lamento ter permitido que nutrisse esperanças de receber uma das jóias que confecciono... Confesso-me menos nobre do que o príncipe me acredita. Sou incompetente, posto que não consegui criar a peça e covarde por não ter me comunicado antes a fim de assumir minha incapacidade. Além disso, não sou uma maga.

     O príncipe voltou a se erguer e murmúrios vindos de todas as partes criavam no local uma massa sonora tumultuada até que o conselheiro voltou a se manifestar:

     - Você não quis fazer!

     - O que você diz pode ser verdade... O fato é que eu não trouxe uma das minhas criações para oferecer. O porquê, só eu sei com certeza!

     O príncipe rondava o trono, pensativo, olhando ao redor, enquanto todos na sala voltavam a ficar em silêncio, aguardando o desfecho do debate. O conselheiro disse:

     - Você traiu o príncipe, está sendo arrogante, e, pode ser acusada de práticas ocultas e malignas, já que se recusa a apresentá-las publicamente quando todos sabem que na solidão de sua choupana confecciona artefatos místicos e distribui sorrateiramente com finalidades desconhecidas.

     - E nesse caso eu seria condenada à pena de morte?

     - Eu diria que evidentemente! Pode se preparar!

     - E o que o príncipe diria?

     - Ah?!

     Eduardo, o príncipe, que estava parado assistindo a batalha de palavras, desceu as escadas e ficou frente a frente com a artesã. O outro conselheiro protestou:

     - Cuidado, Alteza. Essa mulher deixa escapar as palavras mais absurdas sem se exaltar ou perder uma gota de suor... Pode ser uma transtornada!

     O soberano dirigiu certa irritação ao homem:

     - E o que ela pode fazer? Usar seu cinto para me chicotear?

     O constrangimento se espalhou, e, depois de uns instantes de expectativa, o príncipe, com certa cerimônia, falou à Meredite:

     - Porque você está causando esse caos?

     - Só perguntei ao seu conselheiro o que você diria, Alteza. Considera-me culpada por todos os crimes citados e me sentencia à pena de morte?

     - Por que você quer ouvir isso de mim? Ele tem minha prévia autorização para falar em nome de seus soberanos. É conhecedor de nossos costumes e pensamentos.

     - Eu devo minha admiração a seus conselheiros por isso. Mas entenda, príncipe, foi a sua própria pessoa que dirigiu todas aquelas palavras a mim naquele nosso encontro na vila. E eu imagino que você, Alteza, tinha consciência que existiam três possibilidades: Eu podia não vir aqui. Eu viria e traria o amuleto. Ou... Eu me apresentaria e não te ofertaria uma jóia. Em qualquer das situações você poderia me perdoar ou condenar. Como líder sua vontade é lei. Mas eu também tenho a intuição de que sua decisão não viria antes de considerar meus argumentos. Isso porque você gosta do saber. Eu acredito que nesse exato momento você deseja descobrir como vou me defender das acusações feitas pelo conselheiro... Porém quer que eu te revele o que vejo em você e para você. Se eu estiver sendo insolente de forma altamente insuportável, apenas acene aos guardas e eles irão me calar para sempre. No entanto, mesmo sem ter uma peça para te oferecer, posso ter uma ou outra palavra para compartilhar... Mas quero trocá-las diretamente com você, Alteza.

     Leonardo e Tamara saltaram de suas cadeiras, iam se aproximar de Meredite para tentar protegê-la contra alguma agressão, mas foram contidos e mantidos de pé pelos soldados. O príncipe refletia sobre o que acabara de ouvir, enquanto os conselheiros falavam entre si:

     - A proposta é um absurdo!

     - Está completamente fora de questão. Uma criatura que até pouco tempo nem existia para nossa vila, e que está na condição de entrevistada... Querendo colocar condições diante do nosso príncipe!

     - Eu aceito! - o príncipe declarou deixando todos aturdidos.


Janeiro de 2021

Ana Luiza Lettiere Corrêa (Ana Lettiere)


Com Patrícia Lettiere ( http://pintandonopedaco.blogspot.com.br ), Paulo Renato Lettiere Corrêa ( http://osabordamente.blogspot.com.br ) e todos os meus inspiradores.

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