domingo, 24 de janeiro de 2021

Leonardo e Meredite (Parte 21)

     O ambiente exibia o auge de sua florada. As folhas e pétalas se mostravam resplandecentes. Os delicados caules estavam vivazes e flexíveis, e sua altura parecia ter sido cuidadosamente combinada para a finalidade da celebração... Formava um tapete uniforme que permitia que os convidados, mesmo quando sentados nas pequenas almofadas que estavam postadas diretamente sobre o chão cercando os véus colocados também de forma direta sobre o solo à moda "toalha de piquenique", conseguissem acompanhar a cerimônia e interagir com os outros presentes na festa.

     Cada véu reservava a companhia de oito almofadas e ficava diante de um pequeno caramanchão que tinha sido construído especialmente para o casamento e se encontrava completamente ornamentado com flores. Sob esse espaço havia somente uma pequena mesa coberta com uma cintilante e branca toalha de renda encimada por uma jarra e uma taça de prata, além de um singelo buquê confeccionado com flores locais adicionado um em cada canto da mesa. Cada ramalhete tinha uma determinada flor. Cada flor com uma cor. Cada cor representando uma fase do ano...Vermelha, verão. Rosa, primavera. Amarela, outono. Azul, inverno.

     Diante dessa espécie de altar estava posicionado, no lado dedicado à noiva, um cavalete coberto com cetim verde e um trabalhado tule branco.

     Ao lado dessa construção, uma única e longa mesa presenteada com uma coberta de veludo branco acompanhado de organza rosa se mostrava completamente guarnecida de variados recipientes que disponibilizavam inúmeras iguarias. Todo o conjunto era constituído em refinada porcelana com tema florestal e pastel, assim como os pratos também ali oferecidos para que os convivas fossem servidos no momento da confraternização. Ali também estavam as taças de cristal e talheres de prata.

     Por mais que a mesa já mostrasse delícias em grande número, um outro recinto recentemente erguido um pouco distante do caramanchão era reservado aos ajudantes na arte de fazer e servir os quitutes, e, a julgar pelo perfume das maravilhas que liberava, deixava evidente que as surpresas gastronômicas podiam ser aguardadas em profusão.

     Leonardo guiou todos até bem perto do altar e então pediu que sentassem nas almofadas. O que foi seguido pelos presentes com prontidão... Estavam encantados com a locação. Todo capricho, cada detalhe, era coisa de sonho... Eles viam, sentiam, e gesticulavam, e falavam uns com os outros, com emoção e alegria. O artista estava realizado com a situação, assumiu seu lugar ao lado do cavalete, de frente para todos, em seguida, o homem e a mulher mais honrados e idosos e o menino e a menina mais jovens e criativos da vila se posicionaram atrás da mesa da celebração, bem próximos ao pintor, que sorriu e falou:

     - Pronto, amigos! Agora só precisamos esperar que todos os convidados cheguem!

     Dois quartos de hora passaram a exemplo de dois pontos de luz própria que cruzaram o céu sobre as cabeças que ali se encontravam. O tempo não foi percebido, como aquelas estrelas não foram vistas, tão ansiosos estavam os corações e beijado pela onipotência do Sol o horizonte se fazia. Mas o tempo e aquelas luzes seguiam todos o mesmo destino e traziam bons dias para o reino.

     Uma hora de aguardo se fez e uma meia dúzia de vezes durante esse período, Leonardo fôra perguntado discretamente por alguns dos aldeões se a cerimônia ia demorar para ter início, situação que ele sempre contornava com uma resposta gentil e até mesmo humorada. Porém, em seu íntimo, ele sabia que seus planos dependiam também de uma pessoa para ter pleno sucesso. Ele estava ali, parado, mas seus pensamentos iam a todo instante até Meredite. Ela era sua amiga, precisava estar lá, e ele temia que a fortaleza dela ocultasse uma fragilidade que poderia eclodir na hora errada.

     Ela reagira bem quando ele insinuara amar outra. Mas ele sabia que ela tinha sentimentos puros e românticos por ele, coisa que poderia fazer ela não desejar ver pessoalmente seu enlace com outra mulher. No entanto, ele confiava na maturidade dela, tinha para si a certeza de que ela cumpriria sua promessa de comparecer ao evento.

     Foi isso que aconteceu. Quando Tamara e a artesã surgiram numa das bordas do campo, como se obedecendo um comando da existência, todos, sem exceção, souberam o que fazer, intuíram que a chegada de Meredite tinha algo muito profundo. Os aldeões silenciaram e os músicos começaram a executar uma melodia suave. As amigas seguiram juntas até um certo ponto. Foi então que a vendedora sutilmente ao se ver perto de uma almofada, deu um passo para o lado e se sentou. Meredite sabia que precisava fazer sua parte na cerimônia, então continuou caminhando de forma harmônica aos acordes. Ao se aproximar do caramanchão, viu Leonardo dar três passos em sua direção e recebê-la com um beijo na testa.

     Ela sorriu e lhe entregou uma pequena caixa dourada... Ele a recebeu e colocou sobre o altar, ao lado da taça. Em seguida, pegou outra caixa dourada que estava em seu colete e depositou ao lado da primeira, sobre a mesa. Feito isso, lançou uma piscadela para a artesã, segurou despretensiosamente uma das mãos da amiga e se voltou na direção de todos, conduzindo Meredite a fazer o mesmo. O aroma refrescante daquele ambiente livre compunha delicioso soneto em união com as ondas perfumadas dos chocolates e flores.

     - Tudo perfeito! Podemos começar! Primeiro, temos algo para o nosso príncipe... Por favor, Alteza, se aproxime! - Leonardo estava com o espírito realmente festivo.

     O soberano com uma postura fraterna, simpática por natureza e aguçada por conta daquela ocasião, fez o que o pintor solicitou, sem conseguir evitar porém um pouco da perplexidade causada pelo chamado do amigo. Tão logo o líder a modo de Meredite e Leonardo se voltou para a comunidade, uma camponesa e um camponês, saídos do lado oposto do caramanchão, se aproximaram do príncipe, um seguido do outro, parando ambos próximos a Eduardo. O camponês trazia em suas mãos a coroa real, repleta de rubis, destinada ao nobre por força de sua linhagem sanguínea. E carregado pela camponesa um tradicional arranjo silvestre, uma espécie de coroa confeccionada especialmente para também adornar o soberano. O pintor continuou:

     - Príncipe Eduardo... Aceita a partir de agora ser Rei desses castelos e terras e lutar contra todo tipo de tirania e ataques contra esse nosso lar?

     - Aceito e juro, esteja essa minha mão sobre o fogo ou esse coração diante de uma espada, que assim será. Defenderei a todos, empenhando minha própria vida. - respondeu mostrando-se firme e digno, mantendo a mão direita sobre o seu peito. Em seguida se ajoelhou, e, o camponês postou-se às suas costas erguendo ao máximo seus braços sustendo a coroa e depois lentamente a conduziu até repousá-la na cabeça do soberano, que nesse momento fechou seus olhos e pareceu concentrar-se em um tipo de prece. Foi então que o camponês se afastou discretamente, cedendo seu lugar à camponesa. A moça assumiu a palavra:

     - Rei Eduardo... Oferece a nós, seu povo, a certeza de que será um exemplo de luz, de paz, gratidão e conforto para todos os corações que te elegem voluntariamente como patrono, zelando pelas nossas artes, ofícios e esperanças?

     A voz da camponesa era doce mas com um quê incisivo que não perturbava o regente, ao contrário, ele a respeitava, admirou o jeito com que ela se apresentava. Tal sensação criou na alma de Eduardo a urgência de ser realmente merecedor daquela nova coroa. Emocionado, ele disse, esbanjando dignidade:

     - Sou vosso! Estarei morto antes que lhes falte a esperança. Enquanto meus olhos brilharem sob o céu, os ampararei. Todas as nossas gerações serão belas e prósperas em tudo que se propuserem!

     A jovem, sorrindo, repetiu o gesto do rapaz que a antecedera na cerimônia, ergueu a coroa que estava consigo e a seguir a desceu, depositando sobre a coroa de rubis. As duas peças se encaixaram perfeitamente, formando uma magnífica construção. Os dois camponeses silenciosamente se retiraram do caramanchão e o rei se levantou recebendo os aplausos e vivas de todos que contemplaram a coroação. Will falou:

     - A comemoração está linda! Mas... E o casamento? E a noiva? Está faltando gente fundamental!

 

Janeiro de 2021

Ana Luiza Lettiere Corrêa (Ana Lettiere)

 

Com Patrícia Lettiere ( http://pintandonopedaco.blogspot.com.br ), Paulo Renato Lettiere Corrêa ( http://osabordamente.blogspot.com.br ) e todos os meus inspiradores.

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