As estradas ainda um tanto quanto primitivas do reino
ofereciam passagem e embevecidos suspiros para os pés e imaginação de Meredite.
Eram dias nos quais reinava o Sol e o chão se mantinha firme, poeirento, o que
naquelas circunstâncias ela entendia como algo bom. Em sua caminhada atual ela
já vira muitas auroras e ocasos, por vezes, quando se cansava, buscava um
abrigo seguro dentro dos bosques que margeavam alguns trechos da estreita via
que percorria. Ali, em meio ao verde, se dormia um pouco, quando contava com a
sorte se deliciava com alguma fruta silvestre (Ela aprendera desde cedo o que
as matas permitem ou não), encontrava algum poço público ou fonte e matava sua
sede, além de reabastecer seu cantil para os momentos mais áridos do percurso.
Agradecia principalmente quando em uma dessas aventuras na floresta presenciava
o canto de uma cachoeira cristalina na qual podia se banhar. Tudo isso a
motivava, a fazia perceber que fizera a escolha certa, vitória acrescida pelo
contentamento de não precisar procurar uma estalagem para se recompor. Sem dúvida,
Meredite estava feliz. Lembrava perfeitamente que, ao se despedir de sua
choupana, pegara tudo que julgava necessário para uma boa jornada de ida e
volta... Algum alimento, roupas e muito material para construção de suas peças
místicas. Nos últimos dias de sua jornada, porém, as nuvens resolveram se
manifestar e liberar água em abundância. E com seus pretendidos a abrigo
bastante reduzidos, já que a estrada passara a ser margeada prioritariamente
por pequenas fazendas ou grandes propriedades com pouca ou nenhuma reserva de
mata alta e conservada, já que se destinavam à cultura da uva, por duas vezes
ela precisou se hospedar e seus passos se tornaram mais lentos por causa da
dificuldade apresentada na superação da lama que exercia um efeito de cola nas solas
de suas pequenas botas. Mesmo com esse contratempo final ela chegou ao destino,
agora só faltava encontrar um pouso apropriado para se higienizar adequadamente
e fazer sua esperada última troca de roupa. Sim, ela possuía alguma maquiagem
(Um potinho de carmim que ela reservava para situações singulares. Aplicava-o
discretamente nos lábios e maçãs do rosto) e deixara sua melhor vestimenta para
o momento de estar diante das obras.
Percebeu,
fascinada, porém com uma gota de angústia, que aquilo era muito maior do que
uma simples vila. Era um reino de galerias, vendas, tablados, casarios,
carruagens e ambulantes. Seria complicado perambular por ali, ela pensou. Mas
era preciso, não iria desistir agora que estava tão perto, tão junto... Do quê?
De quem? Que não pedissem para ela explicar. Era algo dela. Que nem ela
compreendia. Então, ela recomeçou a caminhar, seguiu por ruas, vielas, fez
curvas, subiu e desceu escadas e... Se perdeu... Então parou, se desesperou,
mas, em seguida, sorriu... Aquilo tudo era um caos... Porém era muito mais, era
poético. Tentando, no entanto manter seu lado prático afinado tanto quanto suas
emoções, observou o entorno e percebeu que bastante perto de onde ela estava,
uma tenda que vendia roupas parecia estar esperando por uma visita. Ela se
aproximou já se preparando para a má impressão que seu visual causaria na jovem
comerciante que terminava de repôr mais algumas mercadorias.
- Bom dia!
- falou.
- Oi! Bom
dia! Como vai? Você não é daqui, né?! Seja bem-vinda à vila e ao festival! - a
moça falava rapidamente e parecia realmente empolgada com o evento e com a
oportunidade de demonstrar isso à forasteira.
Meredite
respondeu deixando evidente seu contentamento com a nobre recepção e ainda mais
pelo fato da interlocutora parecer não ter sido afetada pela sua aparência:
- Estou
bem! Tem razão, acabo de chegar! Muito obrigada pela gentileza... Estou
emocionada com toda essa energia que já está emanando para o festival! E a vila
é maravilhosa, pelo que já pude perceber... E confesso que a achei maior do que
tinha em mente!
- Ah...
Muita gente comenta isso. Mas continue deixando que o encantamento fale mais
alto do que a primeira impressão... Sei que pode ser meio intimidadora mesmo,
porém veja como realmente somos, todos nós, você também... Celebrantes da
cultura! - respondeu ao mesmo tempo em que pegava uma nova pilha de
vestimentas.
- Claro!
Concordo com sua observação! Não quero abusar da sua simpatia... Mas... Poderia
me indicar algum albergue onde eu poderia descansar da viagem e me arrumar
adequadamente para acompanhar os eventos? - Meredite falou isso enquanto
apontava suavemente para suas vestes encardidas e cabelos levemente
embaraçados.
- Não está
cometendo abuso algum... Mas sinto informar que a maioria das pousadas nesse
momento deve estar superlotada. Sabe como é... Tanta gente, tantos artistas,
sacolas, rolos, envelopes, gritaria e... Não se surpreenda... Brigas... Por
qualquer motivo... Desde discordâncias sobre o valor das diárias, até uma atriz
acreditar que a camareira flertou com um de seus pretendentes. E sempre aos
berros. Dedos em riste, mãos como espanadores, faces coradas em excesso,
terminando em bebedeiras e palavras de ainda mais baixo calão.
Fez uma
pausa para suspirar profunda e dramaticamente e continuou:
- Às vezes
concordo com os nobres... Sobre as mulheres e menores deles serem aconselhados
a não frequentar esses ambientes muito livres e criativos, mas aí, paro para
refletir e vejo como tudo se torna uma espécie de aprendizado. Nós, aqui, do
dia a dia é que dominamos as artes e inspirações.
Parou uma
segunda vez, foi até o balcão, pegou um copo com água, sorveu o líquido e
continuou:
- Olhe,
desculpe meu desabafo! Vou fazer uma lista para você... Vou citar apenas os
locais mais familiares. Espere só um momento.
Meredite
assentiu e viu a vendedora retornar ao balcão, pegar um lápis e um pedaço de
papel e começar a escrever. Essa tarefa levou minutos que pareciam horas. Com
tudo feito ela caminhou até a forasteira com um largo sorriso e balançando o
papel em uma das mãos. Disse:
- Pronto!
Mas não garanto que encontrará vaga. Perdoe-me por não conseguir te ajudar
mais.
A
recém-chegada sorriu em agradecimento, pegou e leu o papel, reparando em
silêncio que a lista contava com mais de trinta indicações detalhada e
apertadamente escritas. Se sentiu radiante. Em algum daqueles endereços haveria
de ter um espaço para ela. Sem conseguir conter sua euforia de esperança, sem
enviar prévios sinais, se aproximou daquela que ela já considerava uma amiga e
a abraçou ternamente enquanto dizia:
- Muito
obrigada! Você não tem a mínima ideia do quanto está me ajudando! Mas, antes
que eu me esqueça de perguntar... Qual é o seu nome? O meu é Meredite!
A vendedora
tinha sido verdadeiramente influenciada por aquele gesto impetuoso de
gentileza. Respondeu:
- E eu sou
Tamara!
As duas interromperam gradativamente o
abraço e Tamara continuou:
- Saiba que
você tem oficialmente, a partir de agora, Meredite, a forasteira, uma nova e
fiel amiga! Se precisar de algo, me procure...
Ao que a
artesã respondeu:
- O sentimento
é totalmente recíproco, Tamara. E te antecipo uma coisa. Antes de me despedir
dessa vila, te trarei um presente. Só me esclareça uma coisa: Você gosta mais
do dia ou da noite?
Tamara,
curiosa e fascinada, respondeu:
- Do dia!
- Está
certo então! Nos vemos em breve, amiga! Até!
- Até!
E assim, Meredite se encaminhou para o primeiro local indicado. Bem no instante em que o relógio das águas, o orgulho daquela vila, indicava uma hora da tarde. A artista só encontrou descanso ao visitar o vigésimo terceiro endereço. Estava exausta. Sua procura tinha se transformado de passeio em corrida a partir do décimo primeiro "Desculpe, não temos vaga" que ela escutou. Ao ser beneficiada com um "Sim" acolhedor, enquanto esperava seu dormitório ficar pronto, perdeu o senso de etiqueta, tirou seu calçado e se sentou em um canto afastado da pequena recepção.
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