Postado originalmente em 05 de Julho de 2009 no site Autores.com.br.
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No solo fértil e secular de teu lema: Liberdade, serei sempre aquela camponesa que a tempos atrás sofria com suas partidas, a amiga que cultivava a esperança e cujo coração transbordava de exultante felicidade a cada retorno seu. Com esses sentimentos atemporais que comandam minha alma, continuarei enfrentando a erosão das eras protegida pelo manto imperial da nossa eterna e leal amizade.
Lembro-me ainda vivamente daquele dia, em que do alto de impiedoso penhasco em frente ao turbulento mar, assisti com o espírito dilacerado, sua partida... sabia que não haveria volta. O azul dos céus e águas se converteu em pesado cinza, como se a natureza já experimentasse o amargo sabor do luto. O vento lançava gritos lancinantes e em seu furioso balé açoitava-me por todos os lados enquanto indomadas ondas batiam-se estrondosamente contra as pedras, anunciavam e choravam o fim de uma época, nobres e generosos sentimentos eram raptados, juntamente com você, aquele que teve a audácia de erguer a voz e defendê-los. Indigna embarcação lhe aprisiona, corta rapidamente o mar, sangra a História, e minuto após minuto, se afasta, oscila... até desaparecer no horizonte, seguindo em sua jornada rumo à maldita ilha "Santa..."
Ali fiquei, vendo a noite chegar e aos poucos os protestos dos elementais foram se abafando, agora o silêncio era o senhor, um mestre opressor e ele era só o arauto da tirania que novamente reinaria e profanaria sua terra. Somente uma brisa cínica e morna soprava fazendo meu vestido inflar como uma vela, debochando de minha saudade, instigando meu ímpeto de lhe seguir, me desafiando a te salvar. Mas eu não podia, minha palavra empenhada era a raiz que me impedia de, num ato heróico ou louco, enfrentar de peito aberto nossos inimigos. Fechei os olhos e em pensamento me transportei para a tarde que precedeu sua partida, ali estava a minha missão, seu último apelo à mim, e eu o honraria.
"Passeávamos por bosques simples, naturais, alí não eram necessários jardineiros, as flores nasciam selvagens, frescas, longe das amarras da opulência. Você falava, mas seus olhos me distraiam, comoviam, perderam suas defesas, você, aqui, não precisa de sua "Máscara de César", sua face está infinitamente mais suave, sua alma está serena e determinada. Debaixo do precioso brilho da autoconfiança que seu olhar inspira, solenes flocos de neve desafiam as leis do Universo e caem lentamente sobre a escaldante areia do deserto, suas duas grandes tristezas, se encontrando e se transformando em um lago de lágrimas nunca derramadas (fruto de uma sociedade refém do orgulho, cruel para os homens) que tentam sorrateiramente afogar suas vitórias. Reconheci em seu semblante a sombra da decepção de um coração que durante toda a vida recebeu punhaladas de traidores, intrigantes e ingratos que desavergonhadamente lhe ofereciam lautos banquetes envenenados e lhe saudavam com rancorosos aplausos..."
"... Nada eram além de covardes que ocultos nas sombras, se condenaram à passar a eternidade no vil véu do anônimato. Muito acima desses sofrimentos, em sua áura se ergue a chama guerreira que te rege, continua soberana, moderando minhas preocupações, pois no firmamento de seu olhar, encontro e compreendo o que aqueles egoístas jamais poderão sequer imaginar. Que os invejosos afanem riquezas mortais, pois só isso lhes cabe. Seu tesouro não pode ser roubado, pois não era um trono que te enobrecia, pelo contrário, a dignidade da sua presença, a majestade das suas palavras e a luz da sua honra é que espalhavam glória por onde passavam. Seu livro do Destino está escrito em letras indestrutíveis, e você é o escritor."
Como sussurradas pelo bater de asas de gentis borboletas, minhas certezas se reafirmaram, a sinceridade de suas palavras me convenceu, pois ao conhecer a plenitude e o esplendor da sua alma forjei a minha, para que eu não fraquejasse. Pois como você me disse naquela tarde, em nossa despedida "Armas e guerreiros falharam, a partir deste momento são inúteis, a melhor maneira de lutar por mim e guardar meu nome, é combatendo com a verdade, por isso preciso da ajuda e da união de todos os meus amigos, tenho certeza de que conseguirão proteger minha memória com arte e sutileza". Como sempre, você se antecipou a todos, pelo Bem do seu povo, ouviu os conselhos do Futuro e partiu.
Faz algum tempo desde que abandonei aquele penhasco e voltei pelo campo, relembrando seus momentos e frases soltas, meu sábio e querido amigo. Meu "Adeus" não foi para você, mas para aquela paisagem perdida, com ares de página virada, lúgubre, desoladora e monótona. Os cenários e desafios mudaram mas continuo firme a trilhar os caminhos que você me ensinou (e a descobrir outros novos), então, que os séculos me levem, que os segundos dancem seu minueto, vou vivendo, aprendendo, partindo, voltando, escrevendo minha história...
Quanto a você amigo, o que dizer? Está feliz, sabe que eu vejo, que sei, agora você é um anjo, inspirador. De que tipo? Anjo da Guarda, não poderia ser outro. Um anjinho nada discreto aliás, pois adora doces e vive se aventurando do céu pra terra e da terra pro céu, em seu cavalo, correndo o mundo, trilhando ares de todos os continentes, alcançou sua mais gloriosa conquista, seu tão esperado sonho, está LIVRE, para sempre. E eu estou aqui diante de seus retratos feitos por hábeis e suaves mãos de artistas (mais alguns daqueles nossos amigos, lembra?). Seu porte? O que posso falar... Inconfundível, único? E seus olhos como sempre... sorriem...
Imagem: "Liberdade", pintura óleo sobre tela, criada em 2010 por Patrícia Lettiere, artista plástica e escritora.
Ana Lettiere
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