sábado, 31 de dezembro de 2011

II - Literatura Neoclássica (Arcadismo)

No Brasil, a Literatura Neoclassicista (Arcadismo) se fez mais presente no Estado de Minas Gerais, com os ideais Iluministas franceses sendo adotados pelos intelectuais burgueses brasileiros. O Arcadismo brasileiro acrescentou elementos nacionais ao gênero, tais como elementos da fauna e flora brasileira, temas coloniais, história do Brasil homenageada em poesias heróicas, sátiras políticas e abordagem do índio.
                
       Aqui também o movimento além de cultural ganhou caráter social, já que muitos artistas neoclassicistas se envolveram ativamente na Inconfidência Mineira. Dentre os mais representativos selecionei três:
                
       *Cláudio Manuel da Costa - 5 de Junho de 1729, Vila do Ribeirão do Carmo (Mariana)/ 4 de Julho de 1789, Vila Rica (Ouro Preto).






Esse jurista e poeta participou da Inconfidência Mineira e também foi mecenas de Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho). Autor de “Obras Poéticas”, “Soneto”, “Vila Rica”, “Entre o Velho e o Novo Mundo”, entre outros. Quanto à morte de Cláudio Manuel, as circunstâncias são misteriosas e contraditórias, alguns acreditam que foi suicídio, outros, assassinato. Eu, particularmente acredito na segunda alternativa, pelo fato do artista ser um dos participantes da Inconfidência Mineira e ter morrido na prisão, ainda mais numa época em que qualquer tentativa de mudança de vida ou pensamento era combatida com extrema violência pela Coroa. O escritor é Patrono da Cadeira 8 da Academia Brasileira de Letras.
     
        Trecho de “Soneto”
       
            “Destes penhascos fez a natureza
             O berço, em que nasci: oh quem cuidara
             Que entre penhas tão duras se criara
             Uma alma terna, um peito sem dureza!”


CANTO I (Esse é somente um trechinho do Canto I do grande e poderoso escrito"Vila Rica". Pode acreditar, você vai querer ler a obra toda! Então deixo aqui os links: vá até http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=16557, clique em Baixar e será aberta a página do texto http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000043.pdf. E aqui você tem acesso a mais obras do mesmo escritor http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=28

Cantemos, Musa, a fundação primeira
Da Capital das Minas, onde inteira
Se guarda ainda, e vive inda a memória
Que enche de aplauso de Albuquerque a história.

Tu, pátrio Ribeirão, que em outra idade
Deste assunto a meu verso, na igualdade
De um épico transporte, hoje me inspira
Mais digno influxo, porque entoe a Lira,
Por que leve o meu Canto ao clima estranho
O claro Herói, que sigo e que acompanho:

Faze vizinho ao Tejo, enfim, que eu veja
Cheias as Ninfas de amorosa inveja.

E vós, honra da Pátria, glória bela
Da Casa e do Solar de Bobadela,
Conde feliz, em cujo ilustre peito
De alta virtude respeitando o efeito,
O Irmão defunto reviver admiro:
Afável permiti que eu tente o giro
Das minhas asas pela glória vossa,
E entre a série de Heróis louvar-vos possa.



*Tomás Antônio Gonzaga - 11 de Agosto de 1744 (Miragaia, Porto, Portugal)/ Ilha de Moçambique, 1810.




Jurista e poeta. Escreveu “Tratado de Direito Natural”, “Marília de Dirceu” (a terceira parte não foi escrita pelo poeta) e “Cartas Chilenas” (alguns acreditam que o poeta ao escrever esta obra estava sob forte influência de Cartas Persas, de Montesquieu). Tomás Antônio também participou da Inconfidência Mineira. É Patrono da Cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras.

       Trecho da Parte I, Lira I, de Marília de Dirceu (Leia a obra completa  http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000301.pdf). Conheça também "Cartas Chilenas", escrito do mesmo autor   http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000300.pdf.
 
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
                 Graças, Marília bela,
                 Graças à minha Estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
                  Graças, Marília bela,
                  Graças à minha Estrela!

Mas tendo tantos dotes da ventura,
Só apreço lhes dou, gentil Pastora,
Depois que teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.
                       Graças, Marília bela,
                       Graças à minha Estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do Sol em vão se atreve:
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são cor de neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
Para glória de Amor igual tesouro.
                 Graças, Marília bela,
                 Graças à minha Estrela! 
        
 *José Basílio da Gama (São João del'Rey, 22 de Julho de 1740 - Lisboa, 31 de Julho de 1795).






Patrono da Cadeira 4 da Academia Brasileira de Letras. Poeta, escritor de “O Uraguai”, “A Declamação trágica” e “Os Campos Elíseos”.

          Trecho do Canto Primeiro de “O Uraguai” (Aprecie todas as linhas desta rica obra em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn00094a.pdf)

Fumam ainda nas desertas praias
Lagos de sangue tépidos e impuros
Em que ondeiam cadáveres despidos,
Pasto de corvos. Dura inda nos vales
O rouco som da irada artilheria.
MUSA, honremos o Herói que o povo rude
Subjugou do Uraguai, e no seu sangue
Dos decretos reais lavou a afronta.
Ai tanto custas, ambição de império!
E Vós, por quem o Maranhão pendura

Rotas cadeias e grilhões pesados,
Herói e irmão de heróis, saudosa e triste
Se ao longe a vossa América vos lembra,
Protegei os meus versos. Possa entanto
Acostumar ao vôo as novas asas
Em que um dia vos leve. Desta sorte
Medrosa deixa o ninho a vez primeira
Águia, que depois foge à humilde terra
E vai ver de mais perto no ar vazio
O espaço azul, onde não chega o raio.
Já dos olhos o véu tinha rasgado
A enganada Madri, e ao Novo Mundo
Da vontade do Rei núncio severo
Aportava Catâneo: e ao grande Andrade
Avisa que tem prontos os socorros
E que em breve saía ao campo armado.
Não podia marchar por um deserto
O nosso General, sem que chegassem
As conduções, que há muito tempo espera.
Já por dilatadíssimos caminhos
Tinha mandado de remotas partes
Conduzir os petrechos para a guerra.
Mas entretanto cuidadoso e triste
Muitas cousas a um tempo revolvia
No inquieto agitado pensamento.

    E agora confesso que na maior segurança já estava preparada para ir ao site Domínio Público, copiar um trecho de "A Declamação Trágica" e indicar um link para os amigos leitores conhecerem toda obra, mas me fascinei com o escrito, é tão emocionante que resolvi colocá-lo integralmente aqui. Espero que apreciem:


Tu, que os costumes nossos melhor que ninguém pintas,
Ensina-me o segredo, com que dás alma às tintas.
Empresta-me as imagens, a quem dão vida as cores,
Quadros, que a tua mão quis semear de flores.
Tu nos deixaste as leis dos números diversos,
Despréaux, eu canto a Arte de recitar os versos.
A Dama, que em teus muros, magnífica Lisboa,
Espera ornar a frente co'a trágica coroa,
Se quer que em seus louvores o povo se desvele,
Estude o que é Teatro antes de dar-se a ele.
Aprenda a magoar os insensíveis peitos,
E saiba da sua arte as regras, e os preceitos.
Deve pensar, sentir; ou a balança justa
Do povo há de ensinar-lho um dia à sua custa.
A Corte lhe promete conquistas de mil almas,
E para a nobre testa pronta lhe oferece as palmas.
Do público o bom gosto segura-lhe a vitória,
E abre-lhe um caminho mais fácil para a glória.
Lê nos turbados olhos do seu triunfo efeitos.
Tem no teatro um trono, reina nos nossos peitos.
Vós, que buscais a glória, não procureis atalhos:
O plácido descanso é filho de trabalhos.
Pisai o ócio vil, que flores tem por leito:
Exercitai a voz, e cultivai o peito.
Lede no coração, sondai a Natureza.
Sabei as doces frases da língua Portuguesa.
Luzir não pode a Dama, que a sua língua ignora,
Apesar dos tesoiros, que espalha quem a adora.
O povo, assim que a vê, começa a assobiar:
Para falar em verso convém saber falar.
Julgai a sangue frio, e examinai por gosto
Que paixões, que caráter exprime o vosso rosto.
Nele hão de respirar as iras, o furor,
E por seu turno a raiva, o ódio, a ambição, o amor.
Talvez a enternecer-nos vosso desejo aspira?
Fazei com esses olhos que eu na infeliz Zaíra
Veja a cruel batalha de um peito generoso,
Que perde as esperanças de vir a ser ditoso:
Quando banhando as mãos do Pai, a quem adora,
Prefere ao seu Amante um Deus, que ainda ignora.
Nos papéis furiosos quereis levar a palma?
Pinte o terror dos olhos toda a desordem d'alma.
Seja funesta a voz, horrendo, e incerto o passo.
De vosso rosto o povo leia no breve espaço
Projetos horrorosos, que forma um'alma impia;
E, apenas vós saís, em vós veja Atalia,
Que sobre si já sente a mão que chove os raios.
Cercada de remorsos, entre cruéis desmaios,
Uni, se é que quereis arrebatar-nos logo,
A um medonho aspecto um coração de fogo.
O público embebido c'oa trágica grandeza
Olha pra o vosso estado, não olha pra beleza.
Estátuas, sobretudo, Melpômene aborrece,
Em cujos frios rostos paixão não aparece.
Cheias de afetação, seus insensíveis peitos
Com arte dão suspiros, chorando fazem jeitos.
A Dama presumida estuda o dia inteiro
Um brando mover de olhos, ao vidro lisonjeiro.
Vai, um por um, dispondo por simetria os passos,
E aplaude ao movimento dos vagarosos braços.
Do vidro, que te engana, não sigas o conselho.
Busca, que dentro d'alma tens o melhor espelho.
Defronte dos cristais, que adulam a vaidade,
Não, a razão não julga: quem julga é a vontade.
Porque feições alheias, por obra do artifício,
Vos formam da beleza o mágico edifício,
C'oa roupa flutuante azul, e cor-de-rosa,
Cuidais que fingis Vênus, ou Palas majestosa?
Não vedes que a soberba vos alucina, e cega?
Voss'alma porventura toda jamais se entrega?
Os vossos olhos mortos nunca disseram nada?
Moveis-me ao pranto, ainda de lágrimas banhada?
Mas vós continuais com um doce sorriso!
Assim, assim na fonte se contemplou Narciso.
Dentro do vosso peito é que podeis achar
A arte de enternecer, e o modo de agradar.
Depois de um longo estudo de um dia, e outro dia,
Saí: o vosso gênio vos servirá de guia.
Já o Casquilho louco, que é de si mesmo amante,
Chega, desaparece, torna no mesmo instante,
Inficionando o ar c'o almíscar que em si deita.
O sério Magistrado se entesa, e se endireita.
O grosso Negociante, que o ler tem por desdoiro,
Todos os seus desejos comprando a peso de oiro,
Pende de vossa boca no curvo anfiteatro.
Fica a platéia atenta c'os olhos no teatro.
Por vós é que se espera: está tudo em segredo:
Olhai pra multidão sem enfiar de medo.
Mas nunca os vossos olhos doces, e encantadores
Pareça que mendigam do público os louvores.
Desdenha esse artifício o público arrogante.
Zomba da namorada, honra a representante.
Entrando, o vosso andar simples, e majestoso
Ofreça aos nossos olhos um ar imperioso.
Conforme a agitação seja também diverso:
Rápido, ou vagaroso, como o pedir o verso.
Que sem afetação, na encantadora sala,
Imitem as ações tudo o que a língua fala.
Cuidai em reprimir-lhe o excesso tão-somente.
Que sirvam as paixões de intérprete eloqüente.
Não posso ver as mãos, que de seu sítio saem,
Erguem-se por engonços, e por engonços caem.
Por isso as cenas mudas querem estudo à parte.
Nelas é que consiste todo o triunfo d'arte.
Então é que o talento chega à maior altura.
A glória das ações é toda da figura.
As vossas narrações mostrem o interno fogo:
O público impaciente quer tudo saber logo.
Perca-se embora o verso, mas vagaroso, e lento
Da tímida platéia não canse o sofrimento.
Quem quer que um doce engano cause o maior deleite,
Ao severo costume convém que se sujeite.
Rio-me da figura, que indigna do seu posto
Sacode o jugo, e traja como lhe pede o gosto;
E que é tão atrevida, que por empresa toma
Varrer com um donaire o pó da antiga Roma.
Fora de seu lugar não afeteis riqueza:
Olhai para o papel, segui a Natureza.
Representais Electra nos criminosos lares?
Lembrai-vos que é cativa, que vive entre pesares.
Não brilhe a sua testa, não resplandeça o manto,
Não sofre alegres cores rosto, que ofusca o pranto.
O povo, que vos julga, e que examina os erros,
Não quer de vós rubins, quer tão-somente ferros.
Abri a antiga História, ali vereis dispersas
Pelos diversos climas trinta nações diversas.
Examinai-lhe os gostos, a inclinação, os Numes,
Quais eram seus vestidos, as artes, os costumes.
A Fábula engenhosa, que úteis enganos tece,
Todos os seus tesouros liberalmente ofrece.
Ali é que a Verdade, que ornatos vãos reprova,
Sendo no fundo a mesma, sempre parece nova.
Aqui encontrais Dido, que à pena não resiste:
Seu rosto descorado cobre uma nuvem triste.
Forceja o roto peito lutando com a morte:
Levanta-se três vezes, e cai da mesma sorte.
Seus olhos, que expirando guardam de Amor a chama,
Parece que inda pedem aos Céus o Herói que el'ama.
Chora de dor, e de ira: só com suspiros fala.
Procura a luz do dia: geme depois de achá-la.
Niobe mais além, mulher soberba, e ousada,
A Mãe mais atrevida, e a Mãe mais desgraçada.
Os filhos uns sobre outros, os filhos seus amados,
Que vista dolorosa! de setas trespassados.
À força de sentir parece que não sente.
O rosto descaído, olhando fixamente,
Muda ficou. As mágoas nela puderam tanto,
Que se secou nos olhos a fonte do seu pranto.
Àquele seu silêncio nenhuma voz iguala.
A voz da natureza no seu silêncio fala.
Quereis que uma Rainha, que tem consigo guerra,
Que traz no rosto os crimes, que vê rasgar-se a terra,
Que a roupa, e todo chão vê de seu sangue asperso,
No último suspiro dê a pancada ao verso?
Quereis que uma Donzela, que creu em fé perjura,
Aflita, abandonada no horror da noite escura,
Gritando se resolva ao temerário efeito,
E que se lembre da arte quando trespassa o peito?
Rainha, que o teatro por breve tempo adora,
Esse orgulhoso fasto não conserveis cá fora.
Deixai na cena o cetro, a raça ilustre, e nobre,
E a pompa, que a meus olhos vos rouba, e vos encobre.
Tirou dentre ruínas Ferreira a Apolo aceito
A pálida Tragédia com um punhal no peito.
Os velhos seus altares junto do Tejo erguidos
Cobriu areia, e erva. Ainda mal cingidos
(Séculos infelices, e tanto enfim pudestes!)
Murcharam sobre a frente os fúnebres ciprestes.
Apareceu C*** à voz, que move, e encanta,
O corpo sobre o braço Melpômene levanta.
A ignorância, a inveja chorem de dor, e de ira.
É ela, eu ouço, eu vejo a tímida Palmira,
Que aos pés do velho Pai, inda constante, e forte,
De um crime involuntário pede em castigo a morte.
Ah! quando, ao ver o Irmão nos últimos desmaios,
Lança do peito fogo, lança dos olhos raios,
Ó alma grande, e rara, eu mesmo, eu mesmo o vi,
O Gênio de Voltaire erra ao redor de ti.
Mas eu dou-vos lições inúteis, e infiéis,
E a minha Musa irada arroja os seus pincéis,
Se eles vos não infundem soberba que se estima,
Soberba criadora, fogo que nos anima.
Não, não temais a afronta do público insolente.
Abriu, abriu os olhos a Lusitana gente.
Se já vos chamou vis, cora de tê-lo feito.
Não, não despreza as artes, que adora no seu peito.
Eu sei que um Sábio ilustre, a quem venera a Fama,
Um, que aborrece o mundo, e o mundo todo o ama,
Do seu retiro, adonde mora a verdade nua,
Troveja sobre vós com a eloqüência sua:
E no seu ócio triste cercado de desgostos
Quis corromper com fel todos os nossos gostos.
Eu tremo, e a minha Musa, por mais que se desvele,
Respeita este Demóstenes inda queixosa dele.
Mas contra as suas iras vos devo consolar.
Um Sábio enfim é homem, podia-se enganar.
Se ele de todo o mundo forma uma imagem feia,
Nós por que não faremos uma formosa idéia?
Dos crédulos humanos, Censores rigorosos,
Para que é ter invejado que nos faz ditosos?
Deixai-nos esta ao menos fantástica beleza:
Um engenhoso engano adorna a Natureza.
Roubar-nos dos talentos os dons encantadores
É despojar a terra de frutos, e de flores.
Sabei pois rechaçar seus frívolos intentos:
Lá vão os seus queixumes levados pelos ventos.
Ele, assim mesmo austero, bem pode ser vencido.
Fazei-vos estimar, e tendes respondido.
Lá numa região a nós desconhecida,
Sobre uma nuvem alta de púrpura vestida,
Levanta aos Céus um templo a soberba fachada.
Com temerosa mão proíbe o gênio a entrada
A críticos pedantes, estúpidos autores,
Que em vão forçar pertendem do século os louvores.
Mostra-se ali sem véu a cândida Verdade.
Neste palácio habita a Imortalidade.
A Preocupação, a quem o vulgo incensa,
Sem máscara bramindo foge da sua presença.
As palmas, que das artes são prêmios verdadeiros,
Se enlaçam orgulhosas co'as palmas dos guerreiros.
Neste lugar Virgílio passeia igual a Augusto,
Homero, ao pé de Aquiles não sente horror, nem susto.
Mistura a terna Safo ornada de mil flores
As murtas amorosas aos loiros vencedores.
Ovídio ali parece que a Júlia a amar ensine.
Chapemélé inda chora nos braços de Racine.
A irada de Couvreur desgrenha a trança bela.
Pára Corneille atento, e fixa os olhos nela.
Vós outras, a quem cinge Melpômene de flores,
Tendes assento ao pé dos imortais autores.
Da horrível Dumesnil o tempo não consome,
Junto ao de Crébillon, com sangue escrito o nome.
Clairon, a quem nenhuma se pode comparar,
Pôs junto de Voltaire a Glória o seu lugar.
Preparam lá triunfos para C... bela.
Assim não se resolva a recebê-los ela.
Que mágoas causaria o caso seu fatal!
Perdiam muito os homens, se a vissem imortal.

(Texto encontrado no site http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/wk000229.pdf)

Ana Lettiere

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