quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Nozes, Águas e Estrelas


     Nozes, Águas e Estrelas


     Aquele Natal foi um poderoso bálsamo de percepções e sentimentos, que com certeza seguiu me influenciando mesmo após o último segundo do 25 de dezembro daquele ano, se tornando o ponto de partida de um ciclo que se renovou muitos anos depois... E se eternizou em minha história e alma.

     Na oitava hora de um 24 de dezembro, lá pelos meados da década de 90, minha irmã e eu despertamos, e, fomos direto cuidar da transformação de uma planta que mantínhamos em um grande vaso na varanda de casa, de forma a criar uma Árvore de Natal que possuísse nossa personalidade. Desenhamos, pintamos e recortamos, imagens de bolas de Natal, Anjos, Papai Noel e caixinhas de presente para que servissem como enfeites. A manhã seguiu movimentada na rua... Crianças chegavam de várias partes da cidade... Todas correndo para pegar brinquedos que eram distribuídos de cima de um caminhão, por um dos comerciantes locais. Eu, não satisfeita em garantir uma mini boneca para a minha pessoa, ainda resolvi voltar e pedir uma para a Paty, que estava com vergonha de ir pegar.

     Naqueles tempos, a ceia começava rigorosamente à meia-noite... De maneira, que a gente chegava desabando de sono àquele horário, mas, surpreendentemente, quando o festejo começava pra valer, a gente nem lembrava que estava exausta. Durante a véspera, a gente ia ajudando desde as primeiras horas em tudo que estivesse ao nosso alcance. No fim da tarde, a gente colocava as guloseimas na mesa. O ponto máximo do desafio de não começar a saborear os comes e bebes, era quando a gente ficava cara a cara com a bandeja de nozes... Paty e eu ficávamos rodeando, admirando os pratos, e, vez ou outra, a gente surrupiava uma amêndoa, um pedacinho de queijo, azeitona... Até chegar a vez das nozes... Para quebrá-las rapidamente, a gente usava as dobradiças da porta... Encaixava a noz ali e puxava a porta... O problema era quando alguém via e falava "Assim vai acabar empenando essa porta!".

     Durante a ceia, mesmo entre a diversão das conversas e poesia das músicas natalinas que eram reproduzidas pelo aparelho de som, eu ficava monitorando todo mundo... De fato eu era inconveniente, cercando cada um que se preparava para quebrar as nozes. Eu não queria que detonassem as cascas... Desejava que seguissem exatamente aquela divisória natural que elas tem. Eu tinha a mania de escrever mensagens em tirinhas de papel, dobrar, colocá-las dentro das nozes e colar as cascas... Em seguida, ofertava para quem estivesse por perto.

     Em determinada altura da comemoração, nos reunimos em pé e papai resolveu abrir um champanhe... Cada um com sua taça na mão, esperando pela bebida. Paty e eu também recebemos taças, mas as nossas seriam preenchidas com refrigerante. Em uma questão de segundos, a rolha soltou da garrafa, lançou-se pelos ares, caiu espuma em um ou outro desavisado... Mas uma coisa ainda estava por acontecer... A rolha encontrou a parede, ricocheteou, bateu na minha taça... E a quebrou! Fiquei estarrecida, segurando praticamente só a haste do recipiente. Ainda bem que ninguém se cortou! A pior parte foi ter que ficar vendo se havia caído caco de vidro na comida. Para nosso alívio, os potes, em sua maioria, estavam cobertos pelas respectivas tampas.

     Quando o final da ceia se aproximava, papai se levantou e pediu para a gente sair da sala e não ir para o quintal. A gente não entendeu, mas, seguiu as orientações. Resolvemos ficar em nosso quarto, por minutos que aparentemente não passavam... Até que vieram bater na porta e falaram que a gente podia sair... Assim fizemos. E vimos nossas tão imploradas bikes junto a alguns outros presentes, mas, quem realmente atraiu nossos olhares, e nos encantou, foi o lindíssimo Papai Noel, que estava com a vestimenta mais exótica que a gente já viu! A roupa vermelha, de cetim, com algodão na gola e punhos, e, em vez de gorro, ele usava um chapéu de palha. Ah... A barba era feita com algodão também! Fomos correndo abraçar e dar beijos em nosso pai... Por amor, e, também, para liberá-lo, pra que ele pudesse trocar de roupa... Estava uma noite muito quente!

     Amanhecendo, minha mana e eu novamente aprontamos... Fizemos uma exposição, na varanda de casa, aberta à todos que iam passando na rua. Mostrávamos todos os quebra-cabeças que Paty ganhou durante a festa e passou a noite solucionando... Sim, pois ela não teve paciência para aguardar o raiar do Sol e nem conseguiria dormir, de tão animada que estava! A gente ficava fazendo a maior algazarra, convidando o pessoal. E quem ia olhar, recebia um balão de festa!

     No final da manhã, resolvemos circular. Sabe como é... O famoso hábito das crianças e adolescentes nessas ocasiões... Exibir seus novos pertences! E no nosso caso, era mais para isso mesmo, mostrar... Porque as bicicletas não tinham aquelas rodinhas auxiliares e aquele era nosso primeiro contato com bikes. Eram "muita máquina", para duas aprendizes como a gente! Em alguns momentos, cada uma empurrava sua bike... E em outros, uma de nós ia pedalando o seu transporte com papai segurando a parte traseira do selim, até a gente ganhar confiança em nossa capacidade de seguir sozinha. De vez em quando, para testar se isso estava acontecendo, sem avisar, ele soltava o selim... Mas a gente percebia depois de um tempo e começava a desequilibrar... Isso às vezes coincidia com a passagem de alguma pessoa na calçada próxima ao trecho de rua pelo qual a gente estava "pedalando"... E quando a gente sentia que ia cair, falava um pouco alto "Uouuu!"... Ao que a pessoa devia entender como "Oiiii!", e respondia, "Oiii!"...

     Havíamos resolvido sair usando roupas de banho por baixo de nossas vestimentas normais, porque estávamos com a intenção de estender a aventura para um mergulho na lagoa. Conosco levávamos também uma bolsa com sobras da ceia para continuar a celebração em forma de piquenique. Depois de nadar, eu estava sentada na parte rasa, com as mãos mergulhadas, brincando, remexendo o fundo da lagoa, quando, de repente, algo veio junto com o movimento da água e repousou em uma delas. Me assustei e soltei, achando que era algum bicho... Mas, esse algo voltou a encontrar meus dedos, segurei e vi que era uma concha... Maior do que as que geralmente se encontra naquela parte da lagoa. Senti que a Natureza estava me oferecendo um mimo, uma parte de si... Levei pra casa.

     Ainda no dia 25, à noite, antes de dormir, durante meu instante particular de agradecimento e reflexão sobre tudo, resolvi pegar a concha que estava em minha cômoda. Fiquei olhando pra ela, e, como uma revigorante garoa, um toque do Universo me trazia sutilmente ao coração: "Ela está aí para que um dia você a ajude a encontrar um novo lar."...

     Guardei-a e cultivei sua companhia durante anos...

     Até que um outro Natal chegou. Minha família e eu estávamos habitando em uma nova cidade. Eram tempos complicados, porém, a manhã estava convidativa... Resolvemos sair para ver o mar! Tive a ideia de levar a concha comigo, para que ela conhecesse marés diferentes. No entanto, quando eu estava em meio às ondas, com água na altura da cintura... A lembrança daquele Natal me veio forte... Me despedi da concha, compreendi que precisava lhe conceder mais do que um banho temporário. Agradeci por tudo, e, simplesmente, a soltei. Ela foi. Mas continuou compartilhando comigo sua pérola astral de liberdade e esperança.

     Por volta das 19 horas, resolvemos sair da praia. Atravessamos a rua e vimos entre tantas barracas e galerias que exibiam os mais variados tipos de produtos, uma banca onde um homem acompanhado por outro, que aparentava ser seu filho, estava expondo cartões natalinos que ele mesmo pintava. A gente parou para contemplar. Traços vibrantes e cores belíssimas! Então, o rapaz chamou a gente e falou que o artista estava perguntando meu nome e da Paty, para criar um desenho. Ficamos um tanto desconcertados. Manifestamos com toda sinceridade, que ele não precisava fazê-lo... Porque não poderíamos, mesmo, adquirir a obra. O homem, que ouviu tudo, disse que ele estava desde o começo se prontificando a confeccionar sem necessidade de pagamento. A gente perguntou se isso ia causar prejuízo para ele... Ele disse que não. Aceitamos.

     O saudamos, felizes e honrados por tudo, e, nos despedimos. Nos detivemos ainda para observar a orla uma última e prolongada vez, enquanto conversávamos sobre nossas estradas... Pouco a pouco, fomos percebendo que estávamos recebendo da vida mais uma prenda, paz. No caminho para casa, aproveitamos uma noite na qual o vento gelado, que vinha da direção do oceano, fazia companhia a um dos céus mais limpos e negros que já contemplamos. E para completar esse quadro, parecia que as estrelas que estavam protegendo todas as Árvores de Natal ao redor do mundo, decidiram se revelar também naquele firmamento!


Ana Luiza Lettiere Corrêa


*Ofereço esta e todas as minhas letras à minha irmã, Patrícia Lettiere ( http://pintandonopedaco.blogspot.com.br
 ), ao meu pai, Paulo Lettiere ( http://osabordamente.blogspot.com.br ) e a todos os meus Mestres, de todos os tempos, em agradecimento por me incentivarem a escrever e compreenderem minhas horas de silêncio.

*Imagem criada com desenhos do App PicsArt.